domingo, 8 de agosto de 2010

Sobre compartilhar segredos com velhas loucas

“Até esta hora, tu deverás estar amando”, uma boca desdentada gritou na sua direção, com um dedo enrugado e incisivo a apontar sucessivamente. E assim a amaldiçoou, enquanto a tarde caía junto ao sol. Mas a moça não deu ouvidos, não a conhecia. Tratava-se de uma velha qualquer, uma moradora de rua desvairada. Poderia ser uma cigana dada a misticismos, mas a palavra ceticismo descrevia esta jovem.

Um decêndio passou, deixou sua bolsa cair numa esquina da Rua da Independência, devia ser umas 16:43h, e por causa deste deslize encontrou o homem da sua vida. Grande ironia terem se conhecido num lugar nomeado com sinônimo de liberdade. Não importou o chá pago, a dissertação oral sobre as obras obscuras de Nabokov, coincidentemente escritor preferido de ambos, a crítica implícita à delicadeza da melodia e harmonia de Chopin (compositor favorito dela), ou os cabelos cor de fogo dele, despenteados, e curiosamente odiava ruivos. Nada importou. Estava irremediavelmente apaixonada e não havia escapatória. Entregou-se. Aliás, entregaram-se.

16:51h, e um lustro transcorreu. Juntos, cruzaram a Rua Brigadeiro Agapito Bello com a da Independência. Recostada num canto de muro encontraram a anciã enlouquecida de cinco anos atrás. Reconhecendo-a, lembrou-se imediatamente da praga proferida aos gritos sem dentes. Estancou. O ruivo não entendeu. A moça reagiu enfiando a mão na bolsa e procurando por moedas. Desistiu ao perceber que a velha, apesar de suja, trajava linho e não possuía recipiente para esmolas. A doida apenas sorria imbecilmente, mostrando a gengiva destituída de dentes. Jamais acreditariam na imprecação abençoada, e o significado e sua extensão teriam sentido apenas para uma única pessoa, ela, a moça. Percebeu que a melhor reação seria fazer absolutamente nada e prosseguir o caminho, a vida. A moça decidiu que seria o segredo mais esplêndido da sua existência, e nada mais justo que o fosse compartilhado com aquela desconhecida.