quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sobre o colecionador de nucas femininas

Alguns diziam se tratar de um caso clássico de cafajeste, e outros o chamavam de ninfomaníaco. A verdade é que ele colecionava cheiros de nucas femininas. Seu acervo apresentava precisamente 797 odores catalogados, os quais foram consecutivamente registrados ao longo de 27 anos de coleta e gravados nas folhas de um caderno com capa de couro preto. Constava em cada ficha a descrição minuciosa do fragor, os dados acerca do pescoço (idade, cor, umidade), o dia da coleta e como ela havia ocorrido.

 É necessário frisar que certas características o diferenciavam de um colecionador de selos, mapas, canetas, bonecas ou coisa que o valha. Primeiramente, a excepcionalidade da sua coletânea, uma vez que nunca havia chegado ao seu conhecimento a existência de outra pessoa que cultivasse os mesmos interesses ao ponto do registro, e em segundo lugar, dadas as características da sua coleção, a impossibilidade de troca.

O seu primeiro exemplar foi registrado aos seus 12 anos de idade e a nuca em questão pertencia a uma colega de colégio que se sentava sempre a sua frente. Naquele dia, fatidicamente, a menina pôs o cabelo em coque no meio de uma aula de Geografia, pois eram dias de abril e de muito calor. Desavisada e surpreendida, a garota assustada caiu da cadeira após sentir uma espécie sucção ardente em área tão sensível. Enquanto a sala estourava em risos, o colecionador anotava na capa de seu livro as características do seu objeto de interesse. Assim como a primeira, ele seria capaz de relembrar cada detalhe de seus quase 800 exemplares, como o número 586, por exemplo, que pertencia a uma senhora negra e gorda que estava sentada em um banco da praça Clementino Procópio em ocasião de viagem do colecionador em questão. 

De acordo com o psicanalista Marciano Gatian, este comportamento pode ser explicado devido a uma fantasia do exercício de sua masculinidade; quando cheira uma nuca feminina, o faz como uma forma de protesto pela sua "inveja do clitóris". O padre Adelino Trento define como conduta pecadora e amoral. Edite Passarinho, sua vizinha, o considera uma ameaça pública. Katyana Silva, profissional do sexo, relata como a experiência mais delicada e gentil já vivida. 

 Julgar é deveras fácil, porém seus críticos desconheciam ou desconsideravam a grande solidão relegada ao colecionador de nucas femininas. Despojado de compreensão alheia, isolado em sua coleção, privado de relações mais profundas, sua única companhia era um objeto de couro contendo a descrição de 797 odores, além da iminente e ansiosa possibilidade de conseguir o próximo exemplar.