quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sobre o grande dia daquele cara

É. Já o vi por aí. Não recordo exatamente onde. Poderia ter sido em qualquer lugar que freqüento; sempre os mesmos, vale ressaltar. Aquele bar no centro, há outro na orla, e a universidade, sem contar algumas festas pessoais invadidas por penetras, que são quase como se fossem realmente convidados.

Eu diria que é um tipinho bem peculiar, com uns cabelos castanhos queimados do sol, a pele idem (desconfio que seria branco, se morasse mais ao sul), e olhos de cor indefinida entre o verde e o castanho. O esquerdo, às vezes, ficava um pouco estrábico. Nariz levemente torto e adunco – diziam que era seu charme. Lábios finos, no entanto bem desenhados. Magro, com definição muscular. Fazia certo sucesso entre as garotas. Estava sempre a sorrir, raramente viam-no sério. Usuário semanal de cânhamo, assim como a maioria dos seus amigos. Tinha a mania de falar utilizando o plural em substantivos que deveriam estar no singular. Diziam que vinha de berço de ouro. Aparentemente tentava ocultar tal informação a todo custo. Acredito que fosse motivo de grande embaraço para ele, visto que tentava demonstrar desprendimento para com o materialismo mundano. Nascera para abismar, bem ou mal, em instâncias mínimas e com pequenos atos, pessoas que estavam além do seu círculo de amizades (e ao usar adjetivos de proporção, penso na sua relatividade). Parece que temos amigos, colegas, ou conhecidos em comum, o que não é grande coisa, uma vez que vivemos numa cidade de abrangência mediana. Em lugares assim, principalmente nesta região do país, você inevitavelmente fica sabendo de pequenos grandes feitos e fatos dos colegas que são amigos do conhecido do seu vizinho.

O que vou relatar aconteceu antes da minha ida definitiva à Leeds. Lembro que eu residia na zona leste da cidade, área nobre, Rua Albertino Alfredo, casa grande, muro alto, jardim extenso e convidativo para festas que nunca aconteceram ali.

Houve um dia em que ele saiu na sua bicicleta azul celeste (se locomovia sempre assim, grande feito para alguém que vivia numa cidade com um litoral de cerca de 24 quilômetros de extensão e temperaturas médias anuais de 26 °C) para ir uma festa que começaria no Centro Acadêmico da universidade, e se estenderia à casa de M.P.E. (sim, ela possuía três nomes próprios). Muitos relatam que o viram no Centro Acadêmico, em seu estado sempre aparente de alteração das faculdades mentais. Todavia, não compareceu para a festa na casa de M.P.E., o que a deixou muito desapontada. Assim como a maioria das estudantes da área de humanas, M.P.E. estava interessada no rapaz e creio que havia uma movimentação afetiva que estaria para ocorrer na tal festa. Enfim, sumiu por aquela noite e madrugada. Não deram muita atenção por se tratar justamente dele.

No dia seguinte, foi noticiado em todos os jornais da cidade que a maior parte das residências localizadas na zona leste havia sido alvo de vandalismo. Eu não precisei deste recurso para tomar conhecimento dos fatos. Acordei com os gritos da minha mãe. Nos muros internos da casa, inúmeros pentagramas vermelhos, pichados com escritos logo abaixo de cada um: Svaboda, Trud, Pobed, Narodn, Zvezda. Mamãe achou tratar-se de algo relacionado à bruxaria ou satanismo, mas logo identifiquei naqueles escritos a língua russa, e nas estrelas a simbologia comunista. Os moradores do bairro acionaram a polícia, que cumpriu seu papel especulativo, mas jamais acharam o responsável.

Contaram-me que quando questionado por seus amigos sobre seu paradeiro na noite anterior, Ernesto (este era seu nome) respondeu: “casas!”

2 comentários:

  1. Por que as pessoas mais intelectualmente interessantes são sempre as mais disfuncionais? Já parou pra pensar nisso?

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  2. Talitta, isso aprendi no meu curso (Psicologia): há quem diga que loucura e genialidade andam juntas!

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