segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sobre guerras e relações humanas

Um sobrenome se torna alcunha própria facilmente, e o seu era Barbosa, cujo comportamento servia de instrumento nemésico para a humanidade – do seu bairro. Pelejava verbalmente contra todos, e fazia-os de inimigos diários, os quais eram facilmente vencidos pela impaciência e aflição argumentativa. As batalhas versavam desde os assuntos mais simples, como o clima, até os mais complexos, como a conjuntura política na Polinésia, ou pretensos plágios cristãos de religiões mais antigas.

Passava o dia na rua – o motivo Barbosa jamais confessaria – mas o campo de batalha que mais temia era a casa. A grande afronta era a presença estúpida da mulher. Trinta e oito anos de luta cotidiana. O que fazia de Carmelita sua rival mais ameaçadora era a lealdade submissa e o despojo de amor-próprio, qualidades que nenhum outro adversário possuía. A este caso se aplica uma citação de William G. McAdoo, sobre a impossibilidade de vencer um ignorante com o artifício da argumentação.

Escutava corriqueiramente da esposa “Por deus, você enlouqueceu”, ao que era trivial responder “Deus não existe”, ao passo que a casa era tomada por velas de sétimo dia.
Por mais que procurasse mangas para degustação, após o leite quente das 20:30h, não as encontraria até o raiar do outro dia.
Décadas atrás, no auge do seu vigor, Barbosa era privado do coito durante 5 dias mensais. Mulheres sabem como fechar as pernas. Agora, com a presença da menopausa feminil, ironicamente a força e freqüência sexual declinaram.
Carmelita tomava a mão do marido e a batia forçosamente contra a madeira três vezes, toda vez que o último professava ironicamente uma catástrofe.

O casal sempre suscitou minha curiosidade, e desde que os conheci, duas perguntas passaram a martelar na cabeça. Versavam basicamente sobre os motivos do matrimônio e as razões para a não ocorrência de uma potencial separação. A primeira foi fácil de acertar. Em sua juventude, soube que Carmelita fora a mais bonita do bairro. A Beleza, mesmo se constituindo como atributo de fácil e rápida desmistificação, sempre veio antes da Inteligência.
Quanto à separação nunca ter ocorrido, pressuponho três hipóteses: primeira, o fato de Barbosa pertencer a uma época em que a máxima “até que a morte os separe” se aplicava em forma de axioma aos casamentos. Apesar do seu gênio, não se enganem, sabia muito bem honrar seus votos; segunda, o amor sobrevém a paixão, os quais muitos dizem se tratar de conformação; terceira – a mais absurda, porém incrível de todas – apesar da sua aparente ignorância intelectual, um mero disfarce, Carmelita era a mais sábia entre todos.

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